6 de mar. de 2008

Querido Leitor

É da Rosana Hermann, roteirista, fisica nuclear e apresentadora de tv. Sabe quando vc lê e concorda 100%?



Corporação

Não sei deixe enganar: a palavra corporação apenas parece uma aglutinação de corpo e coração mas é exatamente o contrário.
A corporação é uma entidade sem fins afetivos, que diariamente conclama cada um de seus colaboradores mal-remunerados a abandonar o coração em casa, junto com a opinião e o desejo, e depositar o corpo durante dez horas na mesma cadeira sem pensar ou fazer nada que não seja de interesse da corporação.
A linguagem interna dessas grandes empresas segue um jargão que mistura inglês, português e telemarketês, gerando frases como ‘primeiro nós vamos estar estartando o processo e depois vamos estar dando prosseguimento para a análise do planning’, o que torna homens e mulheres muito infelizes, já que todos poderiam estar dando coisas bem melhores que um mero prosseguimento interno.
Na gramática do corporatês, o sujeito foi abolido para que ninguém seja isoladamente culpado ou responsabilizado por nenhum ato em si, tendo sido substituído pelo objeto direto. Assim, ninguém diz coisas como ‘vou comprar o livro’ mas ‘o livro estará sendo adquirido pelo departamento responsável’.
Frases como ‘depois a gente conta o que aconteceu’ transformam-se em ‘as informações pertinentes sobre o sucedido estarão sendo repassadas no momento adequado’.
Quando ouço uma frase dessas vinda de uma mulher azeda e mal-amada tenho vontade de propor que seu orifício retal esteja sendo preenchido por um membro intumescido do conselho.
Na corporação tudo é controlado, comedido, planejado, organizado e, principalmente, regulamentado. Há regras de conduta para falar, para se vestir, comer, enviar e receber e-mails, abrir e fechar arquivos. Tudo está estruturado, inclusive, para que ninguém questione a corporação, apenas atravesse-a durante trinta anos de serviços prestados como um vegetal para que depois desfrute de sua merecida aposentadoria numa horta orgânica.
Por tudo isso, quanto mais conheço as grandes corporações mais tenho vontade de ser apenas uma artista marginal, dona de casa independente, escriba autônoma, qualquer coisa de cunho individual, que me permita acertar e errar sem que o Windows me esfregue uma janelinha de alerta na cara.
Todos somos obrigados a conviver com ela, esta deusa fria da corporação. Mas no fundo, não gosto, não. Não dá pra gostar de uma entidade que tem um crachá no lugar do coração.

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