14 de mai. de 2009

Ecco

“(…) Após passar 12 horas diante de uma mesa de computador, meus olhos parecem duas bolas de tênis e sinto a necessidade de me recostar confortavelmente numa poltrona e ler um jornal ou talvez um bom poema. Portanto creio que os computadores estão difundindo uma nova forma de letramento, mas são incapazes de satisfazer todas as necessidades intelectuais que estimulam. Por favor, recordem que as antigas civilizações hebraica e árabe tinham por base um livro, e isso não foi independente da circunstância de terem sido civilizações nômades. Os antigos egípcios podiam entalhar seus registros em obeliscos de pedra; Moisés e Maomé não podiam. Quando se pretende atravessar o mar Vermelho ou ir da península Arábica até a Espanha, um rolo de pergaminho é um instrumento mais prático para registrar e transportar a Bíblia ou o Corão do que um obelisco. Por isso essas duas civilizações alicerçadas em um livro privilegiaram a escrita em detrimento das imagens. Mas os livros também têm outra vantagem em relação aos computadores.
Mesmo quando impressos no moderno papel ácido que dura apenas 70 anos, aproximadamente, os livros são mais duráveis do que o suporte magnético. Além disso, não são afetados por escassez de energia ou por blecautes e são mais resistentes a impactos. Até agora, os livros representam o modo mais barato, flexível e prático de transportar informação a um custo muito baixo. A comunicação por computador viaja à nossa frente; os livros viajam conosco e na nossa velocidade. Se somos náufragos numa ilha deserta, onde não temos a opção de ligar um computador na tomada, um livro ainda é um instrumento de muita valia. Mesmo que nosso computador tenha bateria de energia solar, não é fácil ler a tela deitado numa rede. Os livros são ainda os melhores companheiros para um naufrágio ou para os dias seguintes. Livros pertencem a essa classe de instrumentos, que, uma vez inventados, não foram aprimorados porque já estão bons o bastante, como o martelo, a faca, a colher ou a tesoura. (…)”

Umberto Eco, “Muito além da internet

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