7 de jul. de 2011

Rosa Guimarães

Além de conceber formas de “ver no escuro”, podemos pensar na obra de Rosa como convite a ver através de lugares obscurecidos, tidos como desprezíveis, ou mesmo recalcados pela “luz solar”. Dentre sua vasta obra, gostaria de destacar dois contos de Primeiras Estórias, que me parecem emblemáticos desse convite a alternativos modos de ver: são os contos que tratam da construção da ”grande cidade” (Brasília?), pelo olhar de uma criança, o Menino. “As margens da alegria” e “Os cimos” denunciam a associação entre conhecer e dominar, a sujeição dos seres do mundo a coisa a ser manipulada. Ocupar o interior do país, pôr abaixo a mata, construir “a grande cidade”, revela-se, de maneira indireta, um projeto de afirmação de poder. O espaço a ser ocupado, repleto de seres que o Menino embevecido descobre, é reduzido a objeto a ser conquistado; os seres, reificados.
O Menino, ao contrário dos adultos, vê cada coisa, cada ser que descobre, reconhecendo sua singularidade, sua cor, sua forma, deixando-se tocar, afetar, transformar pelo que vê. Já os adultos lidam com os seres como sendo exemplares (ou seja, um exemplar de uma categoria, e não um ser único), a árvore é uma entre outras, o peru um entre outros, o tucano, para fazer o Menino contente, deve ser capturado. O Menino, ao contrário, abre-se, sensivelmente, aos seres que vem a conhecer, numa associação entre conhecer e amar. Enquanto os adultos ao conhecer destroem, sendo a derrubada da árvore momento forte, mantendo-se sempre idênticos a si mesmos e tornando o mundo poeirento, cinzento (ao construirem o aeroporto); o Menino tem o corpo vivo, sensível, capaz de ver e sentir o corpo do outro, dos outros seres, de se relacionar sensorialmente.

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