28 de jun. de 2009

Chove...A LIFE IN LETTERS - UMA VIDA EM CARTAS

Você tem apenas um defeito. Contudo, nesse defeito reside a falsidade de sua posição, seu descontentamento e mesmo o catarro em suas entranhas. É uma completa falta de modos. Por favor, mas veritas magis amicitiae... A verdade é que na vida existem certas regras... Você sempre vai se sentir desconfortável entre pessoas inteligentes, fora do lugar e inadequado, a menos que você esteja equipado com os modos de enfrentamento... Seu talento abriu-lhe a porta neste ambiente, você deve ficar perfeitamente à vontade aqui, mas ao mesmo tempo algo o afasta deste lugar e você se pega tendo de realizar uma espécie de malabarismo entre esses círculos cultivados, por um lado, e as pessoas entre as quais você vive, do outro. Essa sua pele de suburbano ralé é por demais aparente, resultado de ter crescido sob a chibata, próximo à adega, subsistindo de esmolas. É difícil superar isso, terrivelmente difícil!

Creio que as pessoas civilizadas devam atender aos seguintes critérios:

1) Respeitam seres humanos como indivíduos e logo são sempre tolerantes, gentis, corteses e sensíveis... Não criam cenas por causa de um martelo ou uma borracha que não sabem onde colocaram; não fazem com que os outros sintam como se elas estivessem oferecendo um grande benefício quando vivem com eles e não fazem escândalo quando vão embora, dizendo "é impossível viver com você!" Elas toleram barulho, frio, carne passada demais, piadas e a presença de estranhos em casa...

2) Elas têm compaixão pelas outras pessoas além de mendigos e gatos. Seus corações sofrem a dor do que é escondido ao olho nu. Então, por exemplo, se Pyotr perceber que seus pais estão doentes de preocupação e depressão e não conseguem dormir à noite porque o veem muito raramente (e quando o fazem ele está embriagado), ele se apressa pra vê-los e abre mão da vodca. Pessoas civilizadas não conseguem dormir, preocupadas em como ajudar os Polevayers, como pagar os estudos do irmão na faculdade, para ve a mãe decentemente vestida...

3) Respeitam a propriedade alheia e, assim, pagam o que devem.

4) Não são desonestas e temem mentiras como temem o fogo. Não mentem nem mesmo sobre as questões mais triviais. Mentir para alguém é o mesmo que insultar, e o mentiroso é diminuído perante aquele para quem ele mente. Pessoas civilizadas não adotam atitudes arrogantes nem esnobes; comportam-se na rua como o fariam em casa, não andam se exibindo para impressionar os menos afortunados... São discretas e não revelam segredos não solicitados... Mantêm-se em silêncio em respeito aos ouvidos alheios.

5) Não se queixam da vida para despertar a pena dos outros. Não precisam ganhar a atenção e o carinho alheios fazendo-se de vítimas. Não dizem: "Ninguém me entende!" ou "Desperdicei meus talentos em rabiscos triviais" Sou uma puta!" pois todas essas coisas são obviamente usadas para causar efeito, são vulgares, velhas e falsas...

6) Não são vaidosas. Não ficam encantadas com celebridades, tendo a permissão de apertar a mão de um Plevako bêbado, uma bondade exagerada da primeira pessoa que elas encontram no Salão, sendo o centro das atenções no bar... Consideram absurdas frases do tipo "Sou representante da imprensa!" - o tipo de coisa que só ouvimos de pessoas como Rozdevitche Levemberg. Se fizerem um trabalho que valha 25 centavos, não o tenta passá-lo como se valesse 100 rublos, ostentando um portfólio, e não se gabam de poder entrar em lugares onde outras pessoas não possam... O verdadeiro talento sempre se sente na sombra, mistura-se à multidão, evita os holofotes... Como disse Krylov, o barril vazio faz mais barulho do que o cheio.

7) Se de fato são talentosos, elas valorizam o talento. Sacrificarão pessoas inteligentes, mulheres, vinhos, e o burburinho e a vaidade do mundo por ele... Orgulham-se do talento. Assim, elas não saem para encher a cara com professores ou com pessoas que apareceram para ficar com Skvortsov; elas sabem que precisam exercer uma influência civilizadora sobre as pessoas em vez de sair à toa com elas. E são muito exigentes em seus hábitos. Investem tempo no desenvolvimento de sua sensibilidade estética. Não se permitem ir para a cama ser trocar de roupa, olhar para os percevejos nas rachaduras das paredes, respirar ar impuro, caminhar sobre um chão coberto de cuspe, cozinhar em um fogão de querosene. Tentam ao máximo controlar e aprimorar seus impulsos sexuais... Transar com uma prostituta, beijar-lhe a boca, passar horas escutando-a mijar, tolerar sua estupidez e nunca se afastar dela - qual o sentido disso? Pessoas civilizadas não obedecem aos seus instintos mais básicos. Esperam de uma mulher muito mais do que sexo, suor de cavalo e o som de mijo, e mais inteligência do que uma habilidade de inchar com uma gravidez psicológica; os artistas precisam acima de tudo de originalidade, refinamento, humanidade, capacidade de ser mãe, não apenas um buraco... Não ficar continuamente enchendo a cara de vodca, eles têm consciência de que não são porcos, de forma que não saem fuçando as dispensas. Bebem quando querem, como homens livres... Pois exigem mens sana corpore sano.

As pessoas civilizadas são assim... Não basta ler Pickwick e memorizar um discurso de Fausto caso seu objetivo seja o de tornar-se uma pessoa verdadeiramente civilizada e não o de afundar-se mais ainda do que o nível de seu entorno. Pegar um táxi até Yakimanka e então dar o fora uma semana mais tarde não basta...

O que você deve fazer é trabalhar incessantemente noite e dia, ler constantemente, estudar, exercitar a força de vontade... Cada hora é preciosa...

Ficar indo e voltando de Yakimanka não vai adiantar. É preciso arregaçar as mangas e começar a fazer acontecer, de uma vez por todas... Volte para nós, quebre a garrafa de vodca e dedique-se à leitura... mesmo que seja apenas Turgenev, que você nunca leu... Você tem de superar essa porra de vaidade, você não é mais criança... logo terá trinta anos! É hora de crescer!

Estou esperando você... Estamos todos esperando você...

Atenciosamente,

A. Tchechov.

Trecho retirado de Frenesi Polissilábico, Nick Hornby.

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